terça-feira, 15 de dezembro de 2009

NOSSA LÍNGUA PORTUGUESA

Por Thonny Hawany

A língua é, sobremaneira, o principal instrumento de realização dos fenômenos sócio-culturais e também de manifestação das ideias interindividuais de um povo. Com um sistema de signos linguísticos relacionados e combinados por convenção social, ela possibilita aos membros da coletividade a troca de experiências entre si e a interação com membros de outros grupos adjacentes.
Na extrema dependência de viver em sociedade e de se interagir com o outro, o homem nasce, cresce e se desenvolve em meio a um universo de signos lexicais que, se bem combinados, possibilitam-lhe gerir as mais diversas situações de vida, quer sejam cotidianas e simples, quer sejam inusitadas e complexas.
À medida que o indivíduo progride pelo contato com o meio (leitura de mundo para Paulo Freire), ou por meio de leituras especializadas, adquire e aumenta sua capacidade de lidar com os signos linguísticos de modo mais amplo e profundo. Quanto maior for a capacidade lexical de um indivíduo (conjunto de palavras que conhece), tanto maior poderá ser o seu vocabulário (conjunto de palavras que utiliza), e, por sua vez, maior também será a sua liberdade para decodificar, intelegir, interpretar, produzir e reproduzir o real vivido.
Contemporaneamente, apesar da invasão inevitável de signos não-verbais no processo de comunicação humana (imagens, sons etc.), a boa e velha palavra se mantém intocável e deverá acompanhar a humanidade por longas eras como seu principal aporte no processo de comunicação.
A língua, apesar de abstrata, mas, igual ao homem, nasce, desenvolve, transforma e até mesmo morre. Além de falantes que a exercitem, ela, acima de tudo, requer uma nação que lhe dê as devidas garantias e o status de idioma. Quanto maior for o zelo de um povo com sua língua, tanto maior será a vida útil e o poder desta e daquele diante dos demais povos e línguas do planeta. E este cuidado e zelo não incluem apenas reformas da língua em estado de dicionário e de gramática, é preciso que sejam investidos esforços na mudança comportamental do falante e que a escola, como voz do Estado e da sociedade, exija um tratamento especial à língua materna para que ela, de fato, se faça soberana.
Antes de uma reflexão final, cabe aqui uma pergunta bastante oportuna para a qual tentarei cogitar uma resposta imediata e também oportuna. Que tipo de língua está sendo ensinada na Educação Básica? Há doze anos, aproximadamente, participo de bancas de correção das redações do vestibular da instituição de ensino superior em que sou professor de Língua portuguesa e, a cada ano que passa, noto que os pretensos ingressantes nos cursos superiores escrevem pior. Salvo as gratas exceções, uma aqui, outra ali, a maioria dos candidatos a um curso superior tem dificuldade para ler e interpretar os temas propostos e muito mais para dissertarem usando língua portuguesa culta. Há textos, cuja ortografia e estrutura, assemelham-se a usada por semi-analfabetos.
Para que a língua exerça sua finalidade, é preciso que haja esforços cooperados entre sociedade, escola e governo. Este, por sua vez, deve garantir a formação de bons profissionais e fornecer-lhes ambientes adequados e adaptados para o ensino de língua; assim como, constituirá tarefa daquelas (sociedade e escola) fazer e exigir que se faça um ensino de língua que garanta a formação de um cidadão capaz de lidar linguística e discursivamente com as situações de vida, as exemplo do vestibular, dos concursos e de outros eventos cuja língua é ferramenta imprescindível para o sucesso.
Em síntese, será necessário investir na formação de um professor que seja capaz de lidar com o ensino de língua num tempo em que a tecnologia multiplica, em muitas vezes, o conhecimento e, ao mesmo tempo, limita os usos linguísticos do indivíduo a cada fração de segundo. Se existe um professor ideal de língua, este deverá ter a formação daquele que ensina o dialeto padrão sem incluir nenhum tipo de preconceito às outras variantes linguísticas a que deverá recorrer para as analogias benéficas e não menos importantes ao aprendizado. Deverá ser um profissional capaz de unir o tradicional e o tecnológico na construção de um usuário de língua, paradoxalmente, completo e econômico.
O bom professor de língua portuguesa será, contudo, aquele que dominar, no mínimo, duas habilidades imprescindíveis: a primeira, ser profundo conhecedor dos fenômenos lingüísticos em decorrência da evolução social da língua e, a segunda, ser guardião e propagador, ao mesmo tempo, do seu idioma, costumes e identidades linguísticas, com o intuito de garantir, não só a inteligibilidade dos signos diversos a todo e qualquer tempo, mas também a apropriação do dialeto padrão da língua como ferramenta de ascensão social de si (professor) e do outro (aluno). Este é o desafio.

3 comentários:

  1. Thonny, ainda estou tentando assimilar o teu texto. Sensacional e digo isso sem querer soar demagogo. Mas é isso mesmo. Não se pode calar diante da degradação do ensino da língua portuguesa... Eu não sei se é um descaso da maioria, mas me preocupa essa cultura de que o que importa é entender o que eu quis passar e nao a forma como eu passei a minha mensagem.

    Bom seria que os nossos futuros professores de português (linguagem) vivessem um despertamento nesse sentido. Não precisamos chegar a um surto policarpiano e defendermos a nossa língua mãe como última missão da vida, mas um cuidado em manter nossa identidade, ao invés de nos deixarmos levar pelos modismos do que se quer propagar...

    Confesso que quando vejo vocês nesses textos de um rigor acadêmico invejável, sinto-me pequeno diante de uma capacidade que sinto que me falta, mas que em você sobra e sempre espero o dia em que também saberei fazer do meu blog, mais do que um espaço de divagações, um local de revoluções.

    Parabéns!

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  2. "Repensando" degradassão do encino da língua portugueza talves seje forti dimais... axo qui é mais um cazo de fauta di atenssão em relassão das mudansas sociais da sossiedade...

    PS.: me pergunto se terei coragem de postar assim... concerteza

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  3. José Saramago já disse um dia desses: "De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido". Com a popularização da internet, nos vimos cada vez mais obrigados a nos comunicar por escrito, e isso ao invés de melhorar o conhecimento que temos de nosso idioma, apenas veio mostrar o quanto não aprendemos, o quanto a desconhecemos. Quanto fomos colocados diante da necessidade da usar a linguagem formal, inventamos um código horroroso onde o que vale é o som que se quer produzir, pouco importando a grafia correta ou não. Nem falo aqui dos 'vc', 'blz', 'add', 'bjs' que são até aceitáveis. Falo de erros grosseiros com os quais nos encontramos todos os dias aqui pela internet adentro. Palavras praticamente impossíveis de se escrever errado são encontradas mutiladas de maneira cruel por aí. É de doer.

    Na escola criou-se a cultura de que ler é obrigação. Não é algo que dê prazer, que deva ser cultivado, aprendido e praticado sempre. Escrever então, nem se fala. Existe esse posicionamento tecnocrata onde a escola nada mais é que uma ferramenta formadora de mão de obra barata. Como um elemento de manutenção das diferenças sociais, não se tem o interesse de se formar leitores, por que, lendo, fatalmente o aluno vai ter acesso a informações que não lhe são passadas na escola. Esse aluno pode vir até - e isso é inadmissível - a pensar por si mesmo. Daí então tiramos dele aquilo que o podia dar substância suficientes para torná-lo num cidadão, agente da sociedade e sujeito de direito, para assim transformá-lo em mais um dente na engrenagem nefasta de perpetuação da miséria e manutenção das diferenças. Sai da escola um objeto, não um sujeito. É uma peça de reposição. Descartável.

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