domingo, 29 de maio de 2011

DILMA ROUSSEFF VETA A POSSIBILIDADE DE GAYS, LÉSBICAS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS FREQUENTAREM DIGNAMENTE A ESCOLA BRASILEIRA

Por Thonny Hawany

Ao vetar a distribuição do material anti-homofobia nas escolas, a presidenta Dilma Rousseff, tacitamente, vetou a possibilidade de gays, lésbicas e Biancas frequentarem a escola sem serem assombrados pelo fantasma da homofobia. É difícil acreditar que alguém eleita para representar os brasileiros e “promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, possa ter, em sã consciência, uma atitude politicamente míope como a que teve sua excelência a presidenta do Brasil.

Muitos são os rumores em torno do assunto da proibição de entrega do material anti-homofobia pelo Ministério da Educação, que alguns insistem em chamar de kit-gay. Uns dizem a respeito de um plano diabólico da bancada evangélica para confundir a presidenta. Outros falam que a presidenta foi precipitada, imatura e mal assessorada. Nada disso importa agora. O que, verdadeiramente, interessa é saber como colocar o trem nos trilhos novamente.

Que a tal bancada evangélica tenha falsificado vídeos e outros materiais para confundirem a presidenta da república, nisso eu acredito e penso que eles têm competência para muito mais. Esses embusteiros fundamentalistas fabricam coisas muito piores. Quem nunca viu, pela TV, cenas de demônios incorporados em pessoas que se debatem convulsivamente? Há até os que pagam atores para se levantarem de cadeira-de-rodas em pleno culto numa simulação de milagre. Ora, simular uma cena de sexo, um beijos e outras atitudes mais arrojadas entre duas pessoas do mesmo sexo é tarefa fácil para quem está acostumado a dirigir o grande teatro, por alguns chamado de igreja, que lhes rende milhões em dinheiro. Diga-se de passagem, milhões esses que, de cueca em cueca, de mala em mala, destinam-se a financiar interesses que nunca ficaram muito claros para ninguém. Agora, que a presidenta Dilma e sua enorme assessoria tenha caído numa espécie de conto do vídeo pornográfico com slogans do Governo e ainda elaborado pelo Ministério da Educação, nisso os brasileiros não acreditamos. Há mais fatos obscuros por trás dessa história que se possa imaginar. Os brasileiros queremos um desfecho urgente desta confusa novela.

Ainda há outra teoria pairando na Internet e que pode ter lá seu fundo de verdade. Trata-se de uma negociação entre os abutres fundamentalistas e a presidenta Dilma para livrar o Ministro Antônio Palocci de uma possível CPI no Congresso Nacional. Essa tese tem muita sustentação, mas seria sórdida por demais que a presidenta da república tivesse se prestado a um arranjo tão vil como esse. O prejuízo moral é irreparável para ela e para nós LGBT. Estamos falando de vinte milhões de brasileiros e de brasileiras prejudicados moralmente em virtude de um ato pouco elaborado da presidenta Dilma para atender aos interesses dos que acreditam que discriminar pessoas é exercício de liberdade de expressão e de livre manifestação do pensamento.

Creio que, como grande parte dos brasileiros, assisti aos vídeos disponibilizados na impressa e nada vi neles que os destoasse do real objetivo para o qual foram criados. Não queremos, Senhora Presidenta Dilma Rousseff, que ninguém ou nenhum governo faça propaganda de nossa orientação sexual e identidade de gênero. O que queremos é que esse governo que elegemos para proteger os nossos direitos cumpra com suas obrigações. Não queremos reconhecimento religioso, queremos reconhecimento político, social e jurídico. Pagamos nossos impostos assim como todos os brasileiros e brasileiras que honram seus compromissos com a pátria; quer sejam evangélicos, quer sejam católicos, quer sejam gays, quer sejam negros, brancos, mulheres, homens, jovens, idosos e outros. Só queremos direitos e com eles que nos sejam ditados os deveres.

Juntamente com a reflexão que fiz acima, doravante apresento as palavras de uma professora da Universidade de Brasília, a professora Débora Diniz, publica no Jornal O Estado de São Paulo, no dia 29 de maio de 2011.

KIT POLÊMICA

Débora Diniz*
Jornal O Estado de S. Paulo
Caderno Aliás
Domingo, 29 de maio de 2011, J3

A história ainda é nebulosa. Parece um daqueles eventos políticos em que os fatos são piores que os rumores. O teatro público foi o seguinte: o Ministério da Educação anunciou a distribuição de material didático de combate à homofobia nas escolas de ensino médio; um grupo de parlamentares evangélicos reagiu ao que foi descrito como kit gay e pressionou o governo contra a iniciativa; a presidente anunciou o veto ao material didático do MEC. As breves palavras da presidente sobre o ocorrido se resumiram a “não vai ser permitido a nenhum órgão do governo fazer propaganda de opções sexuais”. Não arrisco dizer que essa foi a primeira grande polêmica do governo Dilma, mas pressinto uma atualização da patrulha moralista que a perseguiu durante a campanha presidencial. O primeiro capítulo desse teatro parece ser o único a sobreviver como relato oficial da história. O MEC produziu um material didático para a sensibilização e o combate à homofobia nas escolas de ensino médio. O diagnóstico do MEC é simples: a homofobia mata, persegue e violenta aqueles que estão fora da norma heterossexista de classificação das sexualidades. Um adolescente gay tem medo de ir à escola e ser discriminado. Há histórias de abandono escolar e de suicídio. Uma das personagens do vídeo original do MEC se chama Bianca, uma travesti que sai do armário ainda no período escolar. Seu primeiro ato de rebeldia foi pintar as unhas de vermelho e ir à escola. A ousadia rendeu-lhe um ano de silêncio familiar.

Ainda não entendo a controvérsia em torno desse material. O puritanismo que crê ser possível falar de sexo e sexualidades sem exibir práticas e performances foi respeitado pelo material do MEC. Bianca é uma voz desencarnada em um vídeo sem movimento. Não vemos Bianca em ação, conhecemos apenas o seu rosto. Só sabemos que Bianca existe, quer ir à escola e sonha em ser professora. Ela insiste que para ser professora precisa ir à escola. Mas ela depende da autorização dos homens homofóbicos de sua sala de aula, que ameaçam agredi-la. Bianca agradece às suas professoras e colegas que a reconhecem como uma estudante igual às outras. Sozinha, a escola pode ser um espaço aterrorizante.

O segundo capítulo da história é mais difícil de acreditar. Grupos evangélicos teriam substituído a história de Bianca por um vídeo vulgar, uma fraude grotesca cometida por quem não suporta a igualdade sexual. Em audiência com a presidente, teriam entregado o vídeo e, ao que se conta, aproveitado a ocasião para conversar sobre a crise política que ronda o ministro da Casa Civil, Antônio Palocci. Entre as peripécias de Palocci, as travestis em ato sexual e o fantasma da homossexualidade, a reação da presidente foi suspender o material didático do MEC. O surpreendente não está no uso de mentiras para a criação de fatos políticos, mas na proeza de os grupos evangélicos terem conseguido convencer a presidente de que sua equipe de governo do MEC seria tão medíocre na seleção de material didático para as escolas públicas.

Se a presidente assistiu aos vídeos reais ou aos fraudulentos, não importa. O fato é que foi anunciado o veto ao material didático do MEC – uma vitória para os conservadores, que não sossegam desde que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a igualdade sexual em matéria de família. Mas há uma injustiça covarde nessa decisão. O tema do material era a homofobia, algo diferente de propaganda de opções sexuais. Na verdade, jamais assisti a um vídeo de propaganda de algo tão íntimo e da esfera da privacidade quanto a opção ou o desejo sexual consentido. Homofobia é um crime contra a igualdade, viola o direito ao igual reconhecimento, impede o pleno desenvolvimento de um adolescente. Homofobia é o que faz Bianca ter medo de ir à escola.

O verdadeiro material do MEC tem um objetivo claro: sensibilizar professoras e estudantes para a mudança de mentalidades. Uma sociedade igualitária não discrimina os fora da norma heterossexista e reconhece Bianca como uma adolescente com direitos iguais aos de suas colegas. Mas, diferentemente do fantasma conservador, a mudança de mentalidades não prevê uma subversão da ordem sexual – os adolescentes não serão seduzidos por propagandas sexuais a abandonarem a heterossexualidade. A verdade é que o material do MEC não revoluciona a soberania da moral heterossexista, mas contesta a falsa presunção de que a homofobia é um direito de livre expressão. Homofobia é um crime contra a igualdade sexual.

* Professora da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero.



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